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Se nada der certo, as escolas seguirão reproduzindo discriminação e desigualdade

9 de junho, 2017

por Sinara Gumieri

Publicado originalmente no Justificando

Em maio, estudantes do terceiro ano do ensino médio da Instituição Evangélica de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, ficaram famosos com uma festa à fantasia realizada na escola. O tema era “se nada der certo”. As fantasias escolhidas: garis, vendedores ambulantes, trabalhadoras domésticas, caixas, atendentes de lanchonetes. O pretexto da escola era proporcionar um momento de descontração para estudantes preocupados com a aprovação no vestibular e a entrada na universidade.

Diante dos incertos do destino, algo comum a todos nós, particularmente aos pobres, o alívio cômico dos adolescentes da elite foi ridicularizar os trabalhadores do mundo real. Aqueles que lhes vendem roupas e lanches em shoppings, que garantem a comida pronta e os banheiros limpos em casa, que recolhem os papeis espalhados nos chãos das salas de aula.

Humor é bem-vindo, mas aqui não foi brincadeira de criança. Foi chacota com a vida diária de muita gente. A razão é conhecida: a reprodução do discurso de meritocracia que os estudantes aprendem desde cedo na família e na escola. A vida que deu certo é a de quem exerce cargos que movimentam dinheiro, poder e prestígio; teriam dado errado as vidas de quem não teria se esforçado o suficiente para ascender.

Nessa narrativa simples, falta considerar, não por acaso, a desigualdade de condições para estudar ou começar negócios próprios, a escravidão que fundou a estrutura racista do país, o trabalho diário e não remunerado de cuidados da casa imposto às mulheres, a exploração de trabalhadores que sustenta o lucro de empresas e é garantido pelo Estado.

Nas fotos da festa que circulam nas redes sociais, os rostos dos estudantes estão disfarçados por borrões. Mas a vergonha deveria ser de seus pais e professores. É para famílias e escolas que a festa desastrosa oferece uma lição urgente: o que se faz, se vê e se discute nas escolas importa para a justiça da sociedade que será construída e liderada por quem hoje é criança e adolescente.

Quando demandamos debates sobre classe, cor, gênero e sexualidade como formas de construir igualdade nas escolas, frequentemente ouvimos que da educação moral dos filhos cuidam os pais. É uma resposta torta para a pergunta errada. A questão não é se marcos de desigualdade deveriam estar nos currículos escolares: eles já estão, só que, em regra, reproduzindo a discriminação, a violação de direitos e a violência da sociedade brasileira. A questão é de que forma queremos enfrentá-los. O recreio da Instituição Evangélica de Novo Hamburgo termina com um alarme estrondoso: se nada der certo, as escolas seguirão reproduzindo discriminação e desigualdade.

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