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PEC Cavalo de Pau

13 de dezembro, 2016

por Sinara Gumieri

Publicado originalmente na Carta Capital

No último dia 29 de novembro, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu em um voto que aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime, e foi seguido por outros dois ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas não houve descriminalização do aborto – a decisão só se aplica ao caso em questão, que tratava da prisão preventiva de funcionários de uma clínica clandestina e levou a sua soltura. A Câmara dos Deputados reagiu rapidamente.

De olho nas próximas eleições para a presidência da Câmara, o atual presidente Rodrigo Maia atendeu às pressões dos fundamentalistas cristãos e anunciou criação de comissão para “reverter” a decisão do STF. Falou bobagem porque Câmara não muda decisão de tribunal: o Congresso legisla, e o STF analisa a compatibilidade das leis com a Constituição. Foi isso que o ministro Barroso fez ao entender que ameaçar com prisão a mulheres que decidem não seguir com uma gestação viola seus direitos à autonomia, à integridade física e psíquica, à igualdade – em relação aos homens, cujas decisões sobre paternidade são livres, e entre as mulheres, já que são as mais pobres e vulneráveis que sofrem riscos de saúde e vida ao não poder acessar abortos seguros.

Blefes à parte, a bancada evangélica dedicava-se a mais do mesmo: mobilizar retrocessos de direitos sexuais e reprodutivos de minorias políticas. Já na madrugada do dia 30 de novembro foi criada uma comissão para discutir a PEC 58/2011. Para incautos, a manobra parecia confusa: tal proposta de emenda constitucional diz respeito ao aumento do tempo de licença-maternidade em caso de bebês prematuros. A proposta é interessante por reconhecer o trabalho de cuidados atribuído às mulheres, que pode ser ainda mais intenso para mães de bebês prematuros.

O que teria então a ver com mais repressão ao aborto? Movimentos feministas que monitoram o Congresso alertaram para a resposta: a estratégia da bancada anti-direitos é aproveitar o tema benigno da PEC 58/2011 e sua tramitação avançada para incluir, por emenda ou substitutivo, uma alteração da Constituição que fale em proteção do “direito à vida desde a concepção”, e assim tentar acabar, mais uma vez, até com o aborto legal no Brasil.

No jargão do processo legislativo, chama-se de jabuti a inserção de uma norma de assunto diferente do tema principal de um projeto de lei. A estratégia, que parece tola mas volta e meia funciona, é tentar aprovar algo que deputados distraídos – e cidadãos – não perceberam ou entenderam bem. Há também quem chame a PEC 58/2011 de cavalo de troia, em referência ao mito dos gregos que, ao receberem um gigante cavalo de madeira, achavam que se tratava de um presente pacífico, mas se surpreenderam com os soldados troianos que saíram do cavalo para derrotá-los. Qualquer que seja a fauna metafórica da comissão criada para analisar a PEC 58/2011, o que mal se esconde por trás dela é a misoginia da bancada evangélica.

Reconhecer necessidades de proteção trabalhista específicas para mulheres que cuidam de bebês prematuros e de saúde eventualmente fragilizada não tem nada a ver com impor maternidade às mulheres em nome do conceito dogmático de vida de alguns. Mas a bancada não quer debater isso clara e abertamente, como exige qualquer projeto de lei. Para não arriscar ouvir nem enfrentar mulheres, preferem tentar garantir retrocesso na surdina, coerentes que são em sua covardia.

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