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“Exibir imagens de fetos a grávidas de estupro é perverso”, diz antropóloga

28 de junho, 2017

por Natacha Cortêz

Publicado originalmente no UOL

Se depender de uma deputada estadual do Distrito Federal, mulheres que engravidaram durante um estupro poderão ser expostas a imagens de fetos em desenvolvimento para que desistam do aborto ao qual têm direito. O projeto de lei da parlamentar Celina Leão (PPS) foi aprovado pela Câmara Legislativa da região e na última segunda-feira (26) enviado para análise do governador Rodrigo Rollemberg (PSB), que deve sancionar ou vetar a proposta em até 21 dias.

A antropóloga Debora Diniz, principal articuladora das ações que colocaram o aborto na agenda do STF, diz que o projeto coloca dor sobre dor na vida de brasileiras que engravidaram em decorrência de um estupro. Coautora da maior pesquisa sobre o assunto já realizada no Brasil, a PNA, que levantou que meio milhão de brasileiras abortou em 2015, ela vê a proposta como “perversa”, pois “ignora que não se trata apenas de uma mulher vivenciando uma gestação, mas vivendo uma experiência de sobrevivência de tortura”.

Criado em 2013, o projeto de lei sugere que mulheres grávidas em decorrência de um estupro, quando atendidas em unidades públicas e privadas de saúde no Distrito Federal, vejam imagens de fetos, mês a mês de suas gestações. Procurada pelo UOL para explicar a proposta, Celina Leão não respondeu até a publicação desta entrevista.

Na entrevista a seguir, Debora Diniz fala sobre o retrocesso que projetos como esses significam para os direitos reprodutivos das brasileiras.

UOL – Se o projeto for sancionado pelo governador do DF, há riscos de propostas semelhantes seguirem em outros estados brasileiros?

Debora Diniz: Jamais me descreveria como otimista, mas a reação sobre esse projeto foi alarmante e assustador no Brasil inteiro. A despeito de todas as controvérsias e tabus sobre o aborto na sociedade, há uma clareza de quanto o o estupro é uma experiência dilacerante para as mulheres. Em um Estado digno, protegê-las é o mínimo que podemos fazer. Acredito que a própria sociedade se oporia em relação a outros projetos semelhantes.

Estamos em um momento delicado quando falamos do avanço de políticas públicas para mulheres no Brasil?

Com certeza. E sabe por quê? Falar das mulheres no Brasil agora é falar de tudo o que o país e seus governantes não querem falar. É falar de desigualdade no mundo do trabalho – quando temos uma fragilização das políticas de proteção ao trabalho -, é falar de creche universal – quando estamos falando de redução dos orçamentos para assistência e educação -, é falar que a Zika ainda continua quando anunciam o fim da epidemia. Aborto, claro, entra na lista. O mundo das mulheres no Brasil é um mundo em que um Estado (feito por homens e para homens) em crise e franco retrocesso não quer, e nem deve, enfrentar.

Uma pesquisa feita pelo IBOPE, em fevereiro, apontou que 2 em cada 3 brasileiros acredita que deve ser da mulher a decisão pelo aborto, e não do Estado. Até quando as ideias da população mudam, os projetos de lei contra o aborto avançam. Por quê?

Mais importante do que dizer como a sociedade pensa, é ouvir o que quer uma mulher que engravidou por causa de uma violência. Me parece que os desafios dos projetos de lei e das políticas públicas são falar da vida concreta das mulheres e não de crenças individuais ou do Estado. Quando descrevo o projeto como perverso, é porque ele é carregado de má-fé.

“Convencer mulheres grávidas vítimas de estupro a manter suas gestações mostrando imagens de feto é tão violento quanto o próprio estupro.”

Veja: precisamos conversar sobre aborto, e exaustivamente. Precisamos ainda conversar sobre políticas públicas nos pautando em informações verdadeiras. Ignorar que essa menina tão jovem está sofrendo e sofreu um trauma, é submetê-la a uma violência ainda maior. Qualquer mulher, e mesmo a mais jovem, aos 12 ou 13 anos, ao sofrer um estupro e engravidar, sabe o que está dentro do útero dela. Mostrar imagens de feto em desenvolvimento, mês a mês, não é informá-la. Informá-la é dizer que o aborto, se feito em condições seguras, não tem riscos para saúde dela. Aliás, ele tem menos riscos que um parto. Um parto em uma menina de 13 anos é um procedimento de grande risco tanto para sua saúde física quanto mental.

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