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Eleição nos EUA: Trump, quem é o seu “todos”?

9 de novembro, 2016

Após a confirmação do resultado, o republicano declarou: “serei presidente de todos”. Mas cabe muito pouca gente em sua concepção

por Debora Diniz

Publicado originalmente na Carta Capital

A frase do presidente eleito dos Estados Unidos é esta: “serei presidente de todos”. Mas quem é seu todos, Sr. Trump? O seu todos cabe muito pouca gente e quem cabe é de um tipo muito parecido ao seu couro e a sua casta.

Acompanhei sua campanha presidencial e o escutei dizer coisas que se fossem conversa de bar seriam ignoradas como palavra perdida pelo alto teor de destempero. Por isso, levarei algumas delas à sério para provar como são poucos o que cabem no seu todos.

Ouvi dizer que o senhor expulsaria todos os imigrantes ilegais dos Estados Unidos. Falou de milhares deles. Eu pensei nos brasileiros ilegais que conheci em viagem recente ao seu país, essa multidão de gente que constrói casas ou faxina mansões como a sua.

Eles são um povo que não vota, vive escapulindo da polícia, e acredita que ganhar onze dólares a hora o deixará mais perto do sonho do self-made man que o senhor representa. Diferente de sua história de sucesso, um roteiro para programa de televisão, eles não começaram a vida para a riqueza com uma ajuda paterna de um milhão de dólares.

Eles não vivem em uma torre na ilha da fantasia, mas em quartos alugados sem endereço certo. O pouco que ganham, eles escondem no colchão e sonham com a maioridade dos filhos para, quem sabe, receber o passe livre para existir e residir.

Ouvi dizer que o senhor não aceitaria mais muçulmanos como imigrantes em seu país. Iria investigar cada um deles para se assegurar de que não há vinculação deles com o terrorismo. Eu rejeito qualquer uso da discordância política ou moral pela força, ainda mais pela matança em massa, por isso acho o terrorismo um horror de brutalidade de nosso tempo.

Mas não confundo política de segurança com xenofobia, menos ainda política internacional com política do pânico. Sr. Trump, como presidente de um império, o que diz importa, e muito, para saber quem é o todos que caberá no seu horizonte de respeito. Ser muçulmano não é ser terrorista; usar um véu não faz de uma mulher um ser abjeto.

Ouvi ainda dizer que, se pudesse, revisaria a política de aborto nos Estados Unidos. Não faça isso, pois será um desastre não só para as mulheres pobres, negras e imigrantes de seu país. Milhões de mulheres pelo mundo sofrerão com mudanças nos direitos reprodutivos em seu país – o fato de os Estados Unidos acreditarem no direito à intimidade e à privacidade para a decisão do aborto foi uma conquista importante para todas nós.

As mulheres do mundo precisam caber no seu todos; vivemos em países ainda mais desiguais que o seu, cujos governantes estão ávidos pelo novo presidente do império anunciar que somos objetos à disposição dos homens.

Presidente Temer anunciou que sua eleição não “mudaria a relação dos Estados Unidos com o Brasil”. Talvez tenha dito isso pelo seu silêncio sobre nós, e não bem por uma análise cuidadosa de sua proposta de política econômica externa.

Durante a campanha presidencial, não o ouvi fazer qualquer menção ao Brasil ou à América Latina, e soube que, até recentemente, o senhor desconhecia os nomes de nossos presidentes da república. Talvez até mesmo o recém-apossado presidente Temer também seja seu desconhecido. Mas há políticos por aqui que celebraram sua vitória: consideram que seus piores valores, como a homofobia, o machismo ou o racismo, devam ser valores prioritários para o Brasil.

Por isso, importa muito saber quem cabe no seu todos. Talvez, nunca tenha se interessado muito pelo Brasil ou pelo nosso povo, mas o que diz é repetido por aqui. Por isso, lhe pediria se não respeito, ao menos civilidade ao falar sobre nós, os estrangeiros, esse vasto povo que não habita torres na ilha da fantasia, que não é macho e não é de sua cor.

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